Hoje (23/01) é aniversário do meu pai. Ele não está nesse mundo para comemorar, é o primeiro aniversário que ele não está mais aqui, mas esse é o dia em que ele nasceu, então é o aniversário dele.
Me dói lembrar dos últimos anos e como a demência é uma doença cruel. Então eu lembro de tempos em que ele corria atrás da gente com a mão cheia de chantilly pra esfregar na nossa cara cabelo, rindo e feliz.
Minha prima definiu num adjetivo muito bom como era meu pai: solar. Ele era um raio de sol, bronzeado, disposto e disponível, ele iluminava o ambiente e era um cara da praia. Acho que ele acertou muito em ir pra praia, ele realmente pertencia ao mar. Minha mãe não, mudar de São Paulo engaiolou ela. Meu pai tinha cara de surfista velho, o famoso “tiozão”. Acho que se não chamasse Jacaré, a sorveteria dele poderia muito bem se chamar “Sorveteria do Tiozão”. Meio que igual ao tiozão do pavê, meu pai fazia piada com peido e sentava no sofá pra ver futebol domingo a tarde inteira. Ele gostava de fórmula 1 e torcia meio esquisito pro São Paulo e pro Juventus (o da Mooca).
Quando eu era criança, gostava muito de quando meu pai me pegava no colo e contava “histórias de antigamente”. Algumas me marcaram, como quando ele e alguns amigos deram um susto num outro na fábrica e o cara ficou catatônico. Ou quando ele falava de ir jogar futebol e voltar com uma galinha pra casa. Queria ter gravado essas histórias, escrito ou deveria ter gravado ele contando pra ter um registro da voz dele antes dela sumir. Não fiz isso e me arrependo. Guardei todos os áudios que ele me mandou falando “eu te amo, filha”. Depois que minha mãe morreu, passamos a falar uns pros outros que os amamos e eu percebi que quando a gente ama alguém é importante que a pessoa saiba.
Meu pai conheceu meu filho, mas infelizmente não conseguiu aproveitar ele como foi com meu sobrinho e comigo – nossa diferença de idade é só de 4 anos. Ele levava a gente na praia e corria o mar todo, botava a gente no ombro e jogava lá longe, me ensinou a boiar no mar e a respeitar a maré, que quando está puxando não é pra ir pra cima da cintura e é pra olhar a onda que te joga pra fora e ir nela. Me ensinou a pegar jacaré e a encontrar corrupto, um bicho feio que só dá pra pegar com bomba e na maré baixa.
Eu amava sair com meu pai, só nós dois, porque ele era outra pessoa quando ficava só nós dois. Eu acho que eu acalmava um pouco ele, que era sempre nervoso com os horários e as coisas para fazer que nunca terminavam. A gente ia junto no mercado, no fornecedor de casquinha e calda de sorvete, íamos no mercado e, raramente, ele me levava só pra passear mesmo. Foi com meu pai que vi Mulan a primeira vez no cinema, ele dormiu, mas depois fomos no aquário. A gente ia no Makro e ele deixava eu ficar no corredor de brinquedos, mesmo que a gente não fosse comprar nada, mas no fim do ano ele sempre deixava eu levar o brinquedo que queria, também comprava polenguinho na caixinha de madeira e uma peça de mussarella.
Foi uma infância feliz por causa dele e da minha mãe ali, presentes. Eles estavam. É o que eu levo de melhor comigo e penso que isso é o maior presente que posso dar pro meu filho: eu estou.
Feliz aniversário, meu velho, onde quer que você esteja. Feliz vida que a gente celebrou por 85 anos. Feliz por ter tido você como pai. Continua olhando e cuidando da gente. Te amo.
Imagem: foto de Nathan Dumlao na Unsplash
Leave a Reply