Tive uma professora na oitava série, em 2002, que falava abertamente sobre seu hábito de escrever diários. Achei uma bobagem quando ela falou, o que teria uma pessoa com a idade dela para escrever todos os dias em um diário? Será que ela começava escrevendo “querido diário”, como se contasse as trivialidades do seu dia para o amigo imaginário? Ela explicou, então, que no diário escrevia sobre os filhos, sobre as coisas bonitas que ela via no dia, o que estava bom e o que estava ruim, se tinha deixado de fazer algo e como ela se sentia. Continuei não dando bola.
20 anos e lembrei dessa história quando resolvi caçar um caderninho e escrever. O que eu, na minha idade, teria para escrever todos os dias em um diário?
Tive covid de novo e dessa vez muito mais forte. Uma semana entre beber muita água, ter muita febre e não conseguir respirar de tanto catarro preso. Os olhos e o nariz inchados, o segundo totalmente ferido depois de assoar inúmeras vezes ao longo do dia. E passou, como num passe de mágica – num dia, dores no corpo inteiro e o ar entrando devagarinho, no outro tudo bem de novo, como se nada tivesse acontecido. Estranhei, fiz o teste e deu negativo. Ótimo. Passou. E eu não registrei esse momento em lugar nenhum, não fiz a foto do autoteste, não anotei a data e como me senti, na verdade sequer dei atenção ao meu estado exceto se alguém perguntava sobre. Tentei ocupar a cabeça vendo a vida dos outros nas redes sociais, vivendo pelos outros o que a doença me privava naquele momento – os jogos de tabuleiro, a academia, até a faxina que se acumulava… Me senti péssima quando me dei conta disso e entendi minha professora que escrevia no seu diário.
Resgatei na memória a professora de inglês que não lembro o nome e da qual eu, na minha sabedoria adolescente de quem não entende nada, debochei em pensamento. Resolvi pegar um caderno e escrever todos os dias, mesmo nos dias em que não há nada a ser falado. Não começo com “querido diário”, mas escrevo em primeira pessoa. Eu, eu, eu. Narcisista e egocêntrico, mas que não tem um miligrama de vida do outro consumida na rolagem infinita. Um respiro e um sopro de intimidade controlada.
Material pra terapia.
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Jeniffer Geraldine
Ah, que legal a história da professora. Eu escrevo em diários desde criança. Tinha aqueles com cadeado. Mas um dia já adulta me desfiz de todos. Não me arrependo. No geral, escrevo como processo de autoconhecimento e terapia. Então guardar é o de menos. O que importa é desabafar quando preciso. Funciona demais.
bjs