Perdi as contas de quantas milhares de vezes eu “comecei um projeto”. Eles vão de emagrecer 5kg a fazer uma viagem de mochilão pela europa oriental e, claro, não consegui realizar nenhum, até porque eu “começo” o projeto e ele dura cerca de 3 horas até que eu me canse e comece a pensar em outro “projeto”. Sim, muitas aspas para mostrar o quanto sou cínica comigo mesma.
Mas a vida está acontecendo – no gerúndio, porque é esse o estado de pressão e volumetria em que minha estabilidade se encontra: expandido-se para além do meu Erlenmeyer de emoções. Vou trocar de emprego em alguns dias, é esse o tamanho do drama. Depois de 4 anos e 8 meses. O que, é claro, gera ansiedade e insegurança a ponto de eu ter criado pelo menos mais cinco “projetos”.
Um deles é, na verdade, bem legal e acho que pode me ajudar a entender um pouco mais sobre como funciona o algoritmo de algumas redes sociais, além de me ajudar com a habilidade maravilhosa do storytelling – se faço para uma marca, quero fazer pra mim.
O medo do esquecimento – e estando no meio de uma pandemia global eu me sinto ainda mais esquecível – me fez ter a ideia fixa de que preciso escrever um livro. Nem ler eu tenho conseguido. Já sonhei pelo menos uns oito livros de gêneros diferentes – do romance picante que vende em banca de jornal a uma deliciosa trilogia criminal. Escrevi um total de zero linhas até o momento.
Tenho dois cursos, uma dúvida de aulas de um outro e pelo menos um semestre de faculdade que quero fazer até o final do ano. Emagrecer porque o peso extra ganho com as indulgências começou a machucar minhas pernas – e eu me recuso a ficar com pernas doloridas no próximo grande evento pós pandêmico que, certamente, envolverá horas em pé bebendo cerveja. Quero fazer o perfil do Ponta e Papel funcionar como laboratório e, ao mesmo tempo, dar dicas úteis para criadores de conteúdo. Não aquelas dicas genéricas de especialistas de marketing digital que surgem aos baldes – aqui vale a carteirada dos 13 anos de experiência na área – mas algo que realmente possa ajudar pessoas. Talvez falar do que eu, contratante, espero receber quando pago (caro) pelo espaço deles. Enfim, a pensar e planejar. Também quero aproveitar as coisas boas da vida. A sensação de que tenho – e o livro que acabei de ler reforçaram esse sentimento em mim – é de que ninguém aproveita mais nada e eu aproveito menos ainda. Quando começou o lance dos smartphones eu queria uma câmera potente para tirar fotos e, há dois anos quando fiz uma troca de celular porque usava muito no trabalho – e estava viciada – peguei uma câmera de última geração cheia de tcharã-rãs que eu uso, basicamente, pra tentativas frustradas de foto da lua (pra quê?) e… Só. O resto do tempo é a selfie. Tenho nenhuma habilidade para boas fotos e, mesmo que tivesse, tenho uma autocrítica maior do que qualquer talento. Não, eu não tiro boas fotos e é isso aí, não vai ser o investimento em uma câmera cara ou uma polaroid que vai me ajudar a tirar fotos melhores. O lance das fotos é capturar um momento e, sendo ainda mais sincera aqui, eu não tenho vivido muito o momento (pandemia) e quando é algo bom de verdade, eu esqueço do celular e das fotos. Pronto, não estão registrados os momentos além da minha memória – e eu sempre me sinto idiota quando percebo isso.
A verdade é que eu fico tanto tempo perdida no tempo futuro que não olho pro tempo presente. Não aproveito que hoje comi pão fatiado com azeite e sal temperado enquanto finalizava o livro, não penso que a roupa que estou hoje é confortável, ou que a névoa da manhã era um prelúdio para o vento gelado que entra pelas frestas da janela a noite. Assim como eu vi vários tiktoks e fotos no instagram e não lembro de absolutamente nenhum deles, lembrei agora de um episódio de Black Mirror, se não me engano é o terceiro da primeira temporada, em que o homem – traído – fica buscando incessantemente na mente os sinais de sua esposa, ele vasculha, não encontra e, no fim, mostra como ele não dava atenção – ao momento e ao novo momento. Enfim, talvez nem seja isso, mas eu lembro daqueles olhos embotados e penso que talvez eu fique assim mesmo consumindo conteúdo, com o plus da corcunda no pé do pescoço crescendo todos os dias. A postura dos smartphones, olhar pra baixo, olhar a tela e só a tela. Antes eu saia pela casa com o notebook, agora ele está viciado na bateria e preciso de todo um aparato – e um lugar reto – pra escrever, assim como também tenho uma estação de trabalho. Antes eu fechava o notebook e acabava a internet, agora o celular está comigo 24h do dia.
Outro dia definiram essa sensação dos pandêmicos isolados como “languishing“. Em tradução, definhando. Mas eu não concordo com esse termo 100%, então criei um que me contempla (e que achei a escrita parecida): a languinolência – o estado do corpo que junta a languidez com sonolência. É um mau estar perpétuo. Embotamento, uma amiga disse, e gostei também. Mas a definição do sentimento – e talvez do estado material do meu corpo nesse momento – não me trouxe alívio e nem angústia, nem raiva e tristeza, nem clarividência e felicidade. Não me trouxe nada, assim como os olhos vazios, perdidos na nostalgia, do personagem da série.
No fim é isso. Me pego agarrada em nostalgia porque tenho medo do que está atrás da porta. Às vezes me pergunto se eu vou saber se vamos ter a vida de antes, se vamos fazer as festas de antes e se eu vou lembrar de tirar fotos delas. Boas fotos delas. Ou pelo menos editar as fotos ruins que eu tiro nelas. Quero saber se os projetos já vão “estar na rua”, ainda que isso só signifique algo concreto para mim no âmbito profissional. Eu quero ter todo o tempo do mundo quando o mundo tiver tempo de novo. E aí eu percebo.
Eu tenho tempo e não faço nada com ele.
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